TESE
| PHD dissertation |
Dar forma à fome: uma etnografia das políticas públicas de segurança alimentar na trajetória do Programa Fome Zero
Resumo
Em 2014 a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) noticioucom grande destaque a saída do Brasil do Mapa da Fome. Esse feito foi celebrado no país como resultado de um conjunto de iniciativas e programas sociais implementados desde 2003 sob égide do Programa Fome Zero. Mais de quinze anos após sua criação, o programa ainda é tema de discussão, apesar de ter sido diluído em diversas políticas de segurança alimentar, e até mesmo políticas de distribuição e geração de renda, recentemente encerradas. A saída do Brasil do Mapa da Fome é aqui entendida como um “evento paradigmático” a partir do qual busquei desvelar as práticas de produção da fome como principal objeto de atenção e gestão na trajetória
das políticas sociais no âmbito do Programa Fome Zero.
Ao recuperar os discursos mobilizados na construção do “Paradigma de Segurança Alimentar e Nutricional” para a produção da fome enquanto um problema social e sociológico, busco questionar as maneiras em que a fome é enquadrada na construção prática de uma política pública que precisa definir, medir e avaliar. Também é central o questionamento dos usos e efeitos dos discursos e saberes que produziram determinado enquadramento deste fenômeno.
Por entender que é analiticamente produtivo não definir a fome a priori, esta tese lança luz aos processos tecnopolíticos de sua transformação na categoria de “Insegurança Alimentar”. Através de uma etnografia da prática de “dar forma à fome”, que tem como lócus principal a produção de um Arquivo Fome Zero, busco explorar os diferentes dispositivos políticos que conformaram categorias centrais na instituição de uma nova forma de governamentalidade no país. Noções como as de direitos, assistência e necessidade são trazidas à baila buscando tensionar a relação entre um “governo da fome” e um “governo pela fome” e a “cidadanização” de certos sujeitos.
É através da atenção a esses movimentos de mutação e estabilização que consigo evidenciar a maneira em que a fome se tornou conhecida, definida e se consolidou como um problema de ordem pública, do Estado, criando sujeitos e populações. Mostro também como ela foi sendo informada por dispositivos, aparatos e disputas epistemológicas, ao mesmo tempo em que era alijada das experiências concretas de uma população. Levando a sério a premissa metodológica de olhar para os processos de (con)formação da fome através da etnografia das principais políticas voltadas para seu combate, pude enxergar como se deu a transformação da fome emuma metáfora e os efeitos dessa estabilização.
Abstract
In 2014, the Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) reported with great prominence the removal of Brazil from the Hunger Map. This achievement was celebrated in the country as the result of a set of social initiatives and programs implemented since 2003 under the aegis of the Zero Hunger Program. More than fifteen years after its creation, the program is still subject of discussion, despite having been diluted in several food security policies, and also distribution and income generation policies - those which were recently terminated. Understanding Brazil's removal from the Hunger Map as a "paradigmatic event", I sought in this dissertation to unveil the practices of hunger production as the main object of attention and government in the trajectory of Zero Hunger social policies.
By recovering the discourses mobilized in the construction of the "Paradigm of Food and Nutritional Security" in direct relation to the production of hunger as a social and sociological problem, I seek to question the ways in which hunger is framed in the practical construction of a public policy that needs to define, measure, and assess in order to exist. It is also central the questioning of the uses and effects of discourses and knowledge that produced a certain framework for this phenomenon.
Precisely by understanding the productivity of the non-definition of hunger, this research sheds light on the technopolitical processes of its transformation into the category of "Food Insecurity". Through an ethnography of the practices of "framing hunger", which has as its main locus the production of the "Zero Hunger Archive", I seek to explore the different political mechanisms that conformed central categories in the institution of a new form of governmentality in the country. Notions such as rights, assistance, and needs are brought to the forefront in an attempt to tension the relationship between a "government of hunger" and a "government through hunger" and the " citizenization" of certain subjects.
It is through the attention to such movements of transformation and stabilization that I am able to show the ways in which hunger has become known, defined and consolidated as a problem of the State. Creating, thus, subjects and populations and being enacted by mechanisms, apparatuses, and epistemological disputes, while it has been removed from the concrete experiences of a population. By seriously considering the methodological premise of looking at the processes of (con)formation of hunger through the ethnography of the Zero Hunger policies, I was able to show how hunger was transformed into a metaphor and the effects of this stabilization.
Palavras chave: Fome, Fome Zero, Políticas Públicas, Antropologia Política
Orientador: Ronaldo Romulo Machado de Almeida
Coorientador: Christiano Key Tambascia
Instituição de ensino: Universidade Estadual de Campinas
Ano: 2022
Blanco, Lis Furlani. Dar fome à fome: uma etnografia das políticas públicas de segurança alimentar na trajetória social do Programa Fome Zero. 2022. 284 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/.
Apresentação da defesa de doutorado, realizada no dia 28 de abril de 2022.